O que perdemos entre o adeus e o finalmente
Quando a vida começar, eu vou estar pronta para desapegar dela?
Viver
verbo
intransitivo
ter vida, estar com vida.
transitivo direto e intransitivo
aproveitar (a vida) no que ela tem de melhor.
É engraçado como esse verbo, tão comum, virou sinônimo de um ideal distante. Já me disseram muitas vezes que “a vida” começaria “depois”:
“Depois você tiver um diploma, você vai estar vivendo.”
“É só esse ano de estudos e depois você vai ver o que é vida.”
“Depois que você tiver que pagar os boletos…”
E assim vai.
Mas, enquanto isso, o relógio ainda está correndo, dias se transformam em semanas que passam em meses e se enrolam em anos. E a gente vive - mesmo achando que ainda não começou a viver.
E, apesar de ter ouvido esse discurso continuamente por anos, sinto que só realmente percebi isso no susto, quando uma vida inteira foi embora e não levou a minha junto.
Enquanto espero ir para faculdade em setembro, eu tomo café da manhã com a minha mãe.
Enquanto espero ir para faculdade em setembro, eu passeio com meu cachorro 2 vezes por dia.
Enquanto espero ir para faculdade em setembro, eu vou a todos os jogos do futebol do meu irmão mais novo.
Enquanto espero ir para a faculdade em setembro, pego um pouco do meu dia para cuidar das plantas na minha casa.
Mas será mesmo que eu estou esperando?
Ano passado me formei no ensino médio. O ano, obviamente, foi um turbilhão de ansiedade generalizada. Eu mal saia de casa, só interagia com pessoas na escola e tive que começar a tomar ferro já que eu estava comendo tão mal que minha ferritina caiu para 11. Posso dizer com convicção que eu NÃO vivi. Estudei, sofri, fiquei parada no tempo enquanto as estações mudavam.
Até que o ano virou. E eu passei.
Nunca fui muito de festa. Gosto de sair, mas minha ideia de diversão pode ser sair à noite ou simplesmente ficar com minhas amigas na casa da minha dinda. Então era dessa forma que eu passava a maioria dos meus dias. E assim eles foram passando: tranquilos, repetidos, bons. Tão parecidos entre si que às vezes eu nem percebia que estavam indo embora. E, por muito tempo, por não parecerem extraordinários, achei que isso não era viver.
Só que a vida não avisa quando está prestes a mudar. Ela só vai. E, quando você percebe, já está perguntando se não foi a última vez.
A última vez que vi meu irmão jogar.
A última vez que tomei café com a minha mãe sem hora marcada.
A última vez que ouvi meu pai bater na porta do meu quarto pra pedir silêncio.
E, de repente, comecei a me perguntar se, para que eu consiga descobrir quem eu sou sozinha, eu tenho que perder todas as pessoas que fazem quem eu sou agora.
“Eu acabei de perceber que tudo o que eu tenho um dia não estará mais aqui.”
- Never Grow Up, Taylor Swift (2010)
A versão de mim que vive isso também não pode durar para sempre. Talvez nunca tenha existido por completo, porque eu sempre estive de olho no que vem depois. Sempre quis viver a minha vida no meu espaço, construído com os tijolos das minhas próprias conquistas.
Mas, pra isso acontecer, eu preciso dizer adeus ao que eu tenho agora.
Achei que, por querer tanto esse futuro, a despedida fosse ser mais fácil. Só que cair numa rotina só me faz pensar no dia em que eu vou ter que arrancar o band-aid - e não sei se vai doer mais o rasgo ou o silêncio depois dele.
Mas talvez o fato de doer tanto seja justamente a prova de que valeu a pena. Talvez essa dor seja só minhas memórias se empacotando em um canto acolchoado para dar espaço a nova etapa da minha vida. E, enquanto ela não chega, esse espaço fica vazio.
Afinal, o que a gente perde entre o adeus e o finalmente não é necessariamente algo que vai embora. Às vezes, é só o que muda de lugar. Talvez o silêncio só pareça ausência - quando, na verdade, é só a espera pelo que vem.
Eu estou indo atrás de algo que sempre quis. E isso, por si só, já é um privilégio. Mas é também uma espécie de privilégio raro poder olhar para trás e sentir o peito apertar - porque significa que existiu amor suficiente para que a ausência dele fosse sentida.
E, se eu for sincera, acho que essa é a raiz de tudo isso. Porque eu não faço ideia de quem eu vou ser quando me mudar. Quando tiver que ser uma pessoa inteira - e não só uma parte de uma família. Nunca fui só eu. Sempre fui filha, irmã, neta, amiga. E agora eu vou ter que descobrir como viver sendo só... eu.
E se, quando a vida finalmente começar, tudo que eu amo já tiver ficado pra trás?
Quando a vida começar, vou estar pronta pra me despedir dela?
Talvez não.
Mas talvez viver também seja isso: aprender a amar o que está indo embora -
e entender que, entre o adeus e o finalmente, não é só o que perdemos que nos transforma.
É o que escolhemos levar com a gente.
Eu não posso dizer que sinto o mesmo que vc descreve, pois sempre ouvi as pessoas falarem de vida como sinônimo de diversão e eu sempre achei que viver de verdade é ter qualquer tipo de experiência que nos faz sentir vivos.
Algo que, curiosamente, aprendi na faculdade é que, durante toda a vida, sempre seremos um mosaico de papéis diversos, o que significa que vc, mesmo distante de seus pais, sempre será uma filha, sempre será uma amiga. Na faculdade, você será uma aluna, posteriormente uma profissional. Esses papéis todos irão se somando e, você, pessoa individual, será a soma de todos eles.
Seu texto ainda me fez lembrar o filme "O amor pode dar certo", que não é exatamente um primor cinematográfico, mas vale a pena pela reflexão.
Enfim, mesmo não concordando completamente com seu ponto-de-vista, gostei muito da reflexão e, principalmente, que texto confortável de se ler!
É impressionante como você conseguiu traduzir, com tanta sensibilidade, a complexidade desse momento de transição, onde a expectativa pelo futuro se mistura com o medo da perda e a beleza das pequenas coisas do presente. Acho que muita gente passa por isso, mas poucos conseguem expressar tão bem essa sensação de estar vivendo, mesmo quando parece que a vida "de verdade" ainda não começou.
Me fez refletir sobre como, muitas vezes, estamos tão focados no "depois" que não percebemos que já estamos vivendo, e que justamente esses momentos, aparentemente simples, são os que mais marcam quem somos. A dor da despedida, como você colocou, talvez seja mesmo a maior prova de que valeu a pena. Obrigado por postar algo tão verdadeiro ♡